Alguém me chamou. Pedindo coisa, pra variar. Bêbado, segurava a calça pra não cair. Tem um brabante aí? Não! Tem nada não. É pra podê amarrá aqui, ó! De olhos fechados, passeei com a mão por perto e achei uma tira de pano. Tem isso aí... cai fora! O desgraçado pendia de um lado a outro, parecia que o sapato, maior que o pé, estava colado ao chão. Tentava amarrar a tira de pano na cintura. A calça muito maior que o corpo dava na altura do peito. Doidera. Coisas que acontecem por aqui. Figura medonha. Cabeça raspada, cara suja, sem camisa, suado e fedendo à cachaça, foi cambaleando até uns sacos que tinha por ali e começou a escarafunchar. Com a voz que parecia vir de dentro de um balde, falou coisa em língua de bêbado. Não compreendo. Lembro de noites frias. Bebedeira. O frio aqui não poupa ninguém. Fizeram uma fogueira pra esquentar, daí aqueles caras vieram e mandaram apagar o fogo senão ia rolar paulada. Ninguém quer entrar em conflito nessas horas. Pensei que ia morrer essa noite. Na verdade, acordei achando que já estava morto. Sentia meu corpo adormecido pelo frio. Não dá pra esquecer de coisas assim. Tudo aqui é árido e frio. Se arruma de tudo pra esquentar mas parece que o frio vai entrando por tudo que é buraco e nada de esquentar. Sopa quente é bom pra essas horas. De vez em quando tem. A sorte é que sempre faz mais calor do que frio. Mas o frio é implacável. O da calça amarrada ainda estava sem camisa. Arrumou uns sacos e se enfiou dentro. Depois chegaram dois cachorros e deitaram ali do lado. A noite passou bem.