metáfora


os mortos
me procuram
com suas
faces pálidas
querem ajuda
pedem redenção
fantasmas do passado
buscam
sensações de outrora
desejam a volta
suas cabeças
projetam
o que há de imaterial
em não existir









serestar


debruço sobre mim
de forma que
ainda possa respirar
várias vidas vividas em uma
fazem de mim
momentânea presença
estou agora
sou sempre
sou ser de outras eras
a memória
em constante
transmutação
faz incursões
pelo desejo de se revelar
em partes


vincos


Abro as gavetas da memória
resgato as cores de outros tempos
um artesão esculpe cabeças de mortos
em tumbas escondidas no inconsciente
eu pendurado na beira dos dias
uma mão na luz e a outra na consciência

acordo de um sonho
dentro de outros sonhos
estranhas percepções
e me vejo no espelho
refletindo tempos imemoráveis

observo as dobras da minha face
e um vinco profundo
chama minha atenção

ao que vai nascer


"Memória de tanta espera
Teu corpo crescendo, salta do chão
E eu já vejo meu corpo descer
Um dia te encontro no meio
Da sala ou da rua
Não sei o que vou contar

Respostas virão do tempo
Um rosto claro e sereno me diz
E eu caminho com pedras na mão
Na franja dos dias esqueço o que é velho
O que é manco
E é como te encontrar
Corro a te encontrar

Um espelho feria meu olho e na beira da tarde
Uma moça me vê
Queria falar de uma terra com praias no norte
E vinhos no sul
A praia era suja e o vinho vermelho
Vermelho, secou
Acabo a festa, guardo a voz e o violão
Ou saio por aí
Raspando as cores que o mofo aparecer

Responde por mim o corpo
De rugas que um dia a dor indicou
E eu caminho com pedras na mão
Na franja dos dias esqueço o que é velho
O que é manco
E é como te encontrar
Corro a te encontrar"

Milton Nascimento