Já era dia e a lua, persistente, flutuava em meio a poeira e nuvens. Foi o que vi quando acordei. Uma bituca de cigarro brevemente pisada ainda lançava seus fios contra a luz. A rua anunciava cheiro de fome. Gosto de escrever assim. Parecendo que vai ser publicado em livro. Mas a fome. Era do que eu falava. Fome é coisa que faz a gente pensar. Penso sempre em quem pode estar pior. Sempre me lembro das crianças da África. Não sei bem onde é. Mas é muita fome junta. A fome parece tão grande que as vezes eu acho que aquele povo nem quer mais comer. Se esqueceu o que é comida. Mas aqui é diferente. As pessoas têm fome, mas sempre tem onde encontrar um de comer. Sempre se encontra alguma coisa. Mas a fome é coisa que sempre se tem. Começa em baixo e quando passa pelo estômago abre um buraco, parece. Até dói. E devagar você percebe que sua cabeça começa a ficar zonza. E daí não consegue mais pensar. Beber, às vezes, faz a gente esquecer da fome. Dormir também; às vezes. Mas tem que ser bebida forte. Porque água não mata fome não. E o pensamento vai. E passa por cada coisa que a gente até desconfia que não está mais ali. E quando a gente cai em si, já foi. Coisas do pensamento. Pensamento é coisa selvagem. É um bicho estranho. Parece formiga quando encontra coisas. Uma vai chamando a outra e quando se vê tem aquele monte de formiga juntas. Todas trabalhando em equipe pra resolver aquele problema. Mas pensamento é pior. Parece que tem sempre migalha caindo. E sempre vai juntando mais. Não pára. Pra domar os pensamentos tem de escrever. Escrever é coisa que tira a fome também. Outro dia mesmo acordei com fome; olhei pro céu e choveu pensamento.
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